Paulo Franke

11 abril, 2008

Mayer Franck, ontem Auschwitz, hoje Finlândia.


Quando por ocasião dos 60 anos do fechamento do Campo de Concentração de Auschwitz, em 2005, convidei Mayer Franck para contar sua história em uma de nossas reuniões em língua sueca em Helsinki. Ele concordou prontamente e por uma hora nos contou sua experiência como que extraída de um livro de aventuras. Era a história de um adolescente judeu que provou os horrores da guerra, mas que sobreviveu como que por milagre.
Dias mais tarde, a seguinte reportagem foi publicada na nossa revista Krigsropet/Sotahuuto a respeito da visita de Mayer Franck:

Sem vestígio de amargura, o homem à minha frente perdeu sua família, trabalhou duramente no campo de concentração e teve sua vida salva por duas vezes. A despeito disso, afirma que houve muitos bons alemães que o ajudaram. Este homem é Mayer Franck, a última pessoa que ainda vive na Finlândia e que provou os horrores de Auschwitz.

Mayer tinha 11 anos quando os nazistas invadiram a Polônia em setembro de 1939. A família Franck sem nenhum aviso foi obrigada a deixar seu lar na pequena cidade de Zgierz sendo levada para o gueto na cidade de Lodz. Com 12 anos o menino começou a trabalhar em uma fábrica que costurava roupas de pele para o exército alemão. Seu pai morreu de difteria naquele mesmo ano. E aí aconteceram transferências para outros campos de trabalho. Em 1942 todas as crianças menores de 10 anos e todos os que tinham mais de 60 receberam a ordem de deportação. Felizmente ninguém de sua família estava enquadrado nessas idades.

Mas chegou o tempo naquele mesmo ano quando sua família também teve de mudar de lugar. Foram levados a um hospital juntamente com muitos outros. Minha irmãzinha de 10 anos perguntou à mamãe se estávamos indo para casa. Ainda que a resposta tivesse sido “muito em breve”, isso não aconteceu.

Mayer decidiu um dia fugir e saltou do telhado de uma altura de três metros. Logo ouviu tiros e correu sem parar até que se escondeu em um bueiro, onde permaneceu todo o dia. À noite criou coragem e saiu dali. Ninguém mais estava no local de onde fugira. Soube mais tarde que todos haviam sido levados para a câmara de gas. Mayer, com 14 anos, havia perdido sua irmãzinha e sua mãe.

O gueto esvaziou-se

Mayer de algum modo voltou para a fábrica onde havia trabalhado e foi adotado por uma família de amigos. Mas quando os russos começaram a aproximar-se do gueto de Lodz, os alemães o esvaziaram. Foram levadas, cerca de 5.000 pessoas, para um outro lugar prometido pelos nazistas como "um lugar melhor".

No novo lugar foi-lhes prometido um saco de batatas a todos que prometessem ir à feira em um certo horário do dia seguinte. Uma armadilha: não havia nenhum saco de batatas e, em vez disso, as pessoas foram agregadas e transportadas para o campo de concentração.

Mayer, no entanto, conseguiu fugir com outros jovens e à noite procuraram comida. Achando repolho em uma casa abandonada, o cozinharam. No dia seguinte foram descobertos escondidos em um velho armário da casa. Corria o ano de 1944, e Mayer Franck foi colocado em um trem que o levou para Auschwitz.

Salvo por um médico

“Magro”, foi o comentário quando com outros passou pelo lugar de seleção. “Sim, mas eu posso trabalhar duro, mesmo com pouca comida”, respondeu. E passou para a ala dos que iriam trabalhar, enquanto os doentes, os incapacitados e os velhos foram direto para as câmaras de gas.

Mayer foi trabalhar em uma refinaria. O local ficava a 3-4km do campo de trabalho onde 800 outros prisioneiros se encontravam. Os que ficavam doentes eram imediatamente levados para Auschwitz. Os dedos de Mayer estavam em péssimo estado por trabalhar duramente sem usar luvas mesmo no mais rigoroso inverno. Um medico tcheco, porém, deu-lhe permissão para ficar um dia no hospital. O mesmo medico tirou-lhe em seguida dali e assim salvou a vida de Mayer: no mesmo dia chegou um caminhão de Auschwitz para buscar os doentes e levá-los diretamente às câmaras de gas.

Marcha para a morte

Em janeiro os russos aproximaram-se do campo e os prisioneiros foram obrigados a marchar em direção ao oeste. Era a marcha da morte. Os que se cansavam eram mortos a tiros. Mayer viu à sua frente um homem jovem que estava tão cansado que tirou o casacão para aguentar prosseguir. Ele aguentou mais alguns quilometros e caiu no chão e aí ouviu-se um tiro.

À noite os prisioneiros foram colocados em um celeiro. De manhã Mayer se escondeu no meio do feno. Os alemães usaram garfos enormes para cutucar o feno, mas Mayer não foi encontrado. Os soldados estavam com pressa, mas Mayer e alguns outros permaneceram dentro do feno enquanto alguns eram achados e mortos a tiro.

Mayer, sempre tentando escapar, escondeu-se na fazenda de um camponês. Primeiro no celeiro mas depois no chiqueiro onde era mais quente. Os alemães apareciam de vez em quando na fazenda, o que o obrigou a se esconder durante 6-7 semanas em um pequeno espaço do sotão. Fazia frio intenso. Ele ficou muito sujo e não podia mover-se nem para cuidar de suas necessidades. Os piolhos começaram a incomodá-lo. Ele matava alguns piolhos e os comia. Então uma bomba atingiu o celeiro que começou a pegar fogo. Havia grande perigo e ele teve que sair. Muitos alemães o viram, no entanto, como por milagre, o deixaram em paz apesar de certamente entenderem que se tratava de um judeu, o que um deles chegou a perguntar.

Mayer voltou a procurar refúgio, dessa vez novamente no chiqueiro. Um oficial alemão o viu e, em vez de o matar, mandou-lhe uma bandeja de comida, o que lhe pareceu muito estranho. Embora fosse proibido fazer amizade ou mesmo conversar com os nazistas era um risco que valia a pena, pois de fato não havia nada a perder. Certa vez em uma refinaria um nazista jogou jornais numa vala a fim de que os presos pudessem ler que o exército vermelho já se achava a 70km de Berlim Os russos chegaram enfim e depois de algum questionamento ele ficou livre. Voltou a Lodz onde passou mais ou menos um ano

Em casa na Finlândia

Após a guerra, procurou saber se seus parentes poloneses haviam sobrevivido. Nem um sequer. Através da família que o adotara soube de alguém que vivia na Finlândia, razão pela qual veio aqui morar. Casou-se mais tarde e começou uma firma que costurava roupas de pele, o mesmo ofício em que se ocupou, bem jovem, durante a guerra.

Durante este ano Mayer Franck tem sido muito requisitado para falar de sua experiência. O faz tendo em mente a que as pessoas nunca se esqueçam do holocausto dos judeus. No entanto, dá ênfase ao fato de que não guarda amargura, muito menos desejo de vingança com relação aos alemães. "Encontrei muitos alemães bondosos", insiste em afirmar.



Mayer Franck com o Major Franke, amigos que se abraçcam - no bom jeito brasileiro - a cada vez que se encontram.

Leia, neste mesmo blog, minha emocionante visita ao campo de concentraçcão de Auschwitz-Birkenau, em 2001:

http://paulofranke.blogspot.com/2006/08/campo-de-concentraco-de-auschwitz.html


Aguarde: relatos e fotos neste blog da visita a um outro campo de concentração e a lugares ligados ao Holocausto, o que planejo fazer, permitindo Deus, nas minhas férias pela Europa no verão de 2008.

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